E o vento continuava, ainda mais forte. Como que
causando confusão e temor àquela casa. Fechei bem a porta e a janela, apesar do
vidro, que deixava alguma força soprar dentro do apartamento. O Visitante saiu
da janela e sentou-se a mesa. Minha mãe ainda continuava lá, mas já apreensiva
por causa do vento.
Não era um vento normal.
Tentei acalmar os dois naquele momento. Os dois
ficaram juntos, um tentando acalmar o outro. Eu tentava entender por que tanto
vento. A força era imensa que causava um som aterrorizante. Fiquei meio
confuso, pois, não sabia o que faria. Se sentava a mesa e me juntava a minha
mãe e o Visitante, ou se dava conta de fechar todas as aberturas da casa para
que não houvesse mais vento.
Mas a porta foi tocada.
Minha mãe ficou mais uma vez surpresa. Não havia
tantas pessoas a visitarem nossa casa nos últimos tempos. Este Visitante, na
verdade, era o primeiro. Mas aquela noite estava especial. Curiosamente
especial. Fui até a porta para abrir. Minha mãe e o Visitante ansiosos por ver
quem era. Abri a porta.
-
Você
tem que sair agora dessa casa. – disse a mulher que estava a porta.
-
Mas
Mulher meu lugar é aqui. Esperei todo esse tempo para aquilo que vê na mesa.
Era o que mais eu desejava. E hoje pude fazer isso.
-
O
Visitante fica. Não será mais Visitante. Há muito tempo se tornou um hóspede.
Você deve voltar!
Nesse momento começou a
chover. Caía uma tempestade como muito tempo eu não via. O vento continuava.
Aquela mulher ali na porta dizendo para eu sair de casa. E a chuva caía
torrencialmente. Meu pensamento estava confuso e me sentia um pouco tonto. Eu
sempre esperei uma visita na minha casa. E essa visita tinha muito tempo que eu
não via. Desejei desde a última vez que eu o vi. E antes de vê-lo, desejei
ainda mais sentá-lo aquela mesa junto à mulher, que preparava meu alimento. Não
tem mais nada a se fazer lá fora. Tudo está feito. É meu momento agora. Ficar
em casa.
-
Não.
Seu momento é lá fora. Sou sua mãe também. Vi você ainda criança e, por muito
tempo, você freqüentou minha casa. Tenho esse direito. Foi difícil chegar até
aqui. Mas você deve obediência a mim. Não por obrigação. Mas por carinho. É meu
filho também.
Reconheci aquele rosto. Por muito tempo eu o vi. Sua
luta em cuidar de um ser humano foi honrosa. A mesa da casa dela não era
grande. E às vezes ela ia, junto com seu filho, para outras casas. Para outras
mesas. Não me sentia obrigado. Mas me sentia comovido. Era mais forte do que
eu. Não era uma questão de obediência. Era afeto. Mas...
-
Eu
quero ficar. Já cuidei do Jardim. Ele está pronto. O Fruto Distante caiu e
semeou. A Graxa revitalizou-se e ficou forte. A Flor Delicada tornou-se um
Jardim, de muitas outras flores. O Jardineiro de um Pinheiro Só agora tem um
bosque. Minha presença não faz mais sentido.
Desceu uma lágrima em mim. Não era um Visitante. Era
meu pai. Não era uma Árvore Grande. Era minha mãe. Não era uma mesa. Era minha
família. Minha vida estava ali. Não queria voltar.
Nesse momento, o Visitante levantou-se da mesa e
juntou-se a Mulher à Porta. E ele, com toda a compreensão do que estava
acontecendo, mais uma vez abriu mão do que sentia.
-
Filho,
você deve voltar. Não seja teimoso como eu fui. Outro dia vamos nos ver. Aliás,
toda a noite estarei na janela. E você sabe como eu gosto de janela. Volte.
Escute sua segunda mãe. Você tem uma mesa lá fora. E isso sempre foi seu
desejo. Ter sua própria mesa.
-
Quero
ficar com você, Pai. É você e minha mãe na mesa. Quero ficar.
-
Também
quero meu filho. Entendi isso muito tempo depois. Nunca fui só. Sempre foi nós
dois. Mas sou seu Pai. Deve ir.
O telefone tocou. Tocou forte. Ventava forte também
e a chuva tinha aumentado. Não parava de tocar o telefone e estava ficando
estridente. Eu estava na porta junto com a Mulher que me visitava. Minha mãe
ainda sentada à mesa. Meu Pai na janela apontando para o telefone e dizendo.
-
Atenda!
Agora chovia em mim. Eu chorava muito, meu peito
estava apertado. A Mulher à Porta também chorava. Minha mãe saiu da mesa e foi
para o quarto. Meu Pai, a minha frente, encorajou-me a atender o telefone, que
não tocava, gritava. Fui caminhando lentamente. Meus passos eram cambaleantes.
Não conseguia entender mais as palavras devido ao alto som do telefone. Minha
visão foi ficando turva. Senti-me tonto. E quando ia pegar o telefone para
atendê-lo, senti meu corpo pesado.
Caí.
Parecia ter batido a cabeça forte. Ainda não tinha
aberto os olhos. Mas já conseguia ouvir alguma coisa. Um choro e um grito de
mulher. Conhecia aquela voz. E isso me fez ter forças para abrir os olhos e ver
mais uma vez o rosto de minha esposa. Quando abri os olhos, uma outra voz soou
naquele quarto de hospital.
-
Graças
a Deus! Ele acordou.
Vi meu velho amigo de infância ali na minha frente.
Vi também meu corpo cheio de tubos e soros. Estava deitado em um quarto de
hospital, na UTI. Minha mente estava confusa. Não conseguia falar direito.
Minha esposa chorava e pulou na cama, me abraçando. As enfermeiras disseram
para ter cuidado, porque foram quarenta dias de coma, e eu já tinha uma idade
avançada. Vi minha irmã também. Havia voltado do exterior, junto com seu
marido. Vi dois homens grandes e bonitos também a minha frente. Não entendi
direito o que eles falavam, mas pareciam dizer. Melhor, pareciam gritar.
-Pai!
Eram meus filhos. Dois filhos que abraçavam a mãe
que tinha sofrido muito nesses dias. Eu ainda estava confuso. Minha mente não
conseguia se organizar. Eu tinha acabado de acordar de um coma. Não conseguia
mover minhas pernas, mas sentia força nos braços. Mas me sentia melhor. Era
minha família ali. Mas estava faltando alguma coisa. Mesmo não sabendo naquele
momento exatamente o que era, meu coração dizia que faltava alguma coisa. Eu
lembrava do apartamento. Do Jardim. Dos meus pais. Da Mulher à Porta dizendo
para ir embora. De tudo isso. E aqui no hospital, minha esposa, minha irmã, meu
amigo e meus filhos ajudavam a lembrar de algo. Mas eu não poderia esquecer.
-
Pai,
graças a Deus você voltou à vida. Tome isso aqui. É seu presente!
Uma linda mulher dizia ser minha filha. Era minha
filha. Ela havia acabado de entrar no quarto. Meu velho amigo de infância havia
telefonado para ela dando a notícia. E eis o presente que ela trouxe.
-
Pai,
seu pinheiro. Ele é seu.
Era um pequeno pinheiro. Chorei sem saber exatamente
o motivo. Minha esposa caiu mais uma vez em prantos por não entender por que eu
chorava. Meu velho amigo de infância não agüentou também. Minha irmã, meu
cunhado, meus outros dois filhos, todos ali no quarto de hospital, na UTI,
choraram. E eu gostei do pinheiro. Mas não entendi por que o pinheiro. Fiquei
curioso. Emocionado. Perguntei a minha filha.
-
Por
que você me deu um pinheiro?
Todos pareciam entender porque minha filha me deu um
pinheiro. E eu fiquei ainda mais curioso. Mas tudo foi revelado quando minha
esposa, calmamente, foi em direção à janela do quarto e abriu a cortina. E aí
eu vi. Entendi.
-
Era
um Jardim lá fora.