quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Jardineiro - parte final.

E o vento continuava, ainda mais forte. Como que causando confusão e temor àquela casa. Fechei bem a porta e a janela, apesar do vidro, que deixava alguma força soprar dentro do apartamento. O Visitante saiu da janela e sentou-se a mesa. Minha mãe ainda continuava lá, mas já apreensiva por causa do vento.
Não era um vento normal.
Tentei acalmar os dois naquele momento. Os dois ficaram juntos, um tentando acalmar o outro. Eu tentava entender por que tanto vento. A força era imensa que causava um som aterrorizante. Fiquei meio confuso, pois, não sabia o que faria. Se sentava a mesa e me juntava a minha mãe e o Visitante, ou se dava conta de fechar todas as aberturas da casa para que não houvesse mais vento.
Mas a porta foi tocada.
Minha mãe ficou mais uma vez surpresa. Não havia tantas pessoas a visitarem nossa casa nos últimos tempos. Este Visitante, na verdade, era o primeiro. Mas aquela noite estava especial. Curiosamente especial. Fui até a porta para abrir. Minha mãe e o Visitante ansiosos por ver quem era. Abri a porta.

-         Você tem que sair agora dessa casa. – disse a mulher que estava a porta.
-         Mas Mulher meu lugar é aqui. Esperei todo esse tempo para aquilo que vê na mesa. Era o que mais eu desejava. E hoje pude fazer isso.
-         O Visitante fica. Não será mais Visitante. Há muito tempo se tornou um hóspede. Você deve voltar!

Nesse momento começou a chover. Caía uma tempestade como muito tempo eu não via. O vento continuava. Aquela mulher ali na porta dizendo para eu sair de casa. E a chuva caía torrencialmente. Meu pensamento estava confuso e me sentia um pouco tonto. Eu sempre esperei uma visita na minha casa. E essa visita tinha muito tempo que eu não via. Desejei desde a última vez que eu o vi. E antes de vê-lo, desejei ainda mais sentá-lo aquela mesa junto à mulher, que preparava meu alimento. Não tem mais nada a se fazer lá fora. Tudo está feito. É meu momento agora. Ficar em casa.

-         Não. Seu momento é lá fora. Sou sua mãe também. Vi você ainda criança e, por muito tempo, você freqüentou minha casa. Tenho esse direito. Foi difícil chegar até aqui. Mas você deve obediência a mim. Não por obrigação. Mas por carinho. É meu filho também.

Reconheci aquele rosto. Por muito tempo eu o vi. Sua luta em cuidar de um ser humano foi honrosa. A mesa da casa dela não era grande. E às vezes ela ia, junto com seu filho, para outras casas. Para outras mesas. Não me sentia obrigado. Mas me sentia comovido. Era mais forte do que eu. Não era uma questão de obediência. Era afeto. Mas...

-         Eu quero ficar. Já cuidei do Jardim. Ele está pronto. O Fruto Distante caiu e semeou. A Graxa revitalizou-se e ficou forte. A Flor Delicada tornou-se um Jardim, de muitas outras flores. O Jardineiro de um Pinheiro Só agora tem um bosque. Minha presença não faz mais sentido.

Desceu uma lágrima em mim. Não era um Visitante. Era meu pai. Não era uma Árvore Grande. Era minha mãe. Não era uma mesa. Era minha família. Minha vida estava ali. Não queria voltar.
Nesse momento, o Visitante levantou-se da mesa e juntou-se a Mulher à Porta. E ele, com toda a compreensão do que estava acontecendo, mais uma vez abriu mão do que sentia.

-         Filho, você deve voltar. Não seja teimoso como eu fui. Outro dia vamos nos ver. Aliás, toda a noite estarei na janela. E você sabe como eu gosto de janela. Volte. Escute sua segunda mãe. Você tem uma mesa lá fora. E isso sempre foi seu desejo. Ter sua própria mesa.
-         Quero ficar com você, Pai. É você e minha mãe na mesa. Quero ficar.
-         Também quero meu filho. Entendi isso muito tempo depois. Nunca fui só. Sempre foi nós dois. Mas sou seu Pai. Deve ir.

O telefone tocou. Tocou forte. Ventava forte também e a chuva tinha aumentado. Não parava de tocar o telefone e estava ficando estridente. Eu estava na porta junto com a Mulher que me visitava. Minha mãe ainda sentada à mesa. Meu Pai na janela apontando para o telefone e dizendo.

-         Atenda!

Agora chovia em mim. Eu chorava muito, meu peito estava apertado. A Mulher à Porta também chorava. Minha mãe saiu da mesa e foi para o quarto. Meu Pai, a minha frente, encorajou-me a atender o telefone, que não tocava, gritava. Fui caminhando lentamente. Meus passos eram cambaleantes. Não conseguia entender mais as palavras devido ao alto som do telefone. Minha visão foi ficando turva. Senti-me tonto. E quando ia pegar o telefone para atendê-lo, senti meu corpo pesado.
Caí.
Parecia ter batido a cabeça forte. Ainda não tinha aberto os olhos. Mas já conseguia ouvir alguma coisa. Um choro e um grito de mulher. Conhecia aquela voz. E isso me fez ter forças para abrir os olhos e ver mais uma vez o rosto de minha esposa. Quando abri os olhos, uma outra voz soou naquele quarto de hospital.

-         Graças a Deus! Ele acordou.

Vi meu velho amigo de infância ali na minha frente. Vi também meu corpo cheio de tubos e soros. Estava deitado em um quarto de hospital, na UTI. Minha mente estava confusa. Não conseguia falar direito. Minha esposa chorava e pulou na cama, me abraçando. As enfermeiras disseram para ter cuidado, porque foram quarenta dias de coma, e eu já tinha uma idade avançada. Vi minha irmã também. Havia voltado do exterior, junto com seu marido. Vi dois homens grandes e bonitos também a minha frente. Não entendi direito o que eles falavam, mas pareciam dizer. Melhor, pareciam gritar.

-Pai!

Eram meus filhos. Dois filhos que abraçavam a mãe que tinha sofrido muito nesses dias. Eu ainda estava confuso. Minha mente não conseguia se organizar. Eu tinha acabado de acordar de um coma. Não conseguia mover minhas pernas, mas sentia força nos braços. Mas me sentia melhor. Era minha família ali. Mas estava faltando alguma coisa. Mesmo não sabendo naquele momento exatamente o que era, meu coração dizia que faltava alguma coisa. Eu lembrava do apartamento. Do Jardim. Dos meus pais. Da Mulher à Porta dizendo para ir embora. De tudo isso. E aqui no hospital, minha esposa, minha irmã, meu amigo e meus filhos ajudavam a lembrar de algo. Mas eu não poderia esquecer.

-         Pai, graças a Deus você voltou à vida. Tome isso aqui. É seu presente!

Uma linda mulher dizia ser minha filha. Era minha filha. Ela havia acabado de entrar no quarto. Meu velho amigo de infância havia telefonado para ela dando a notícia. E eis o presente que ela trouxe.

-         Pai, seu pinheiro. Ele é seu.

Era um pequeno pinheiro. Chorei sem saber exatamente o motivo. Minha esposa caiu mais uma vez em prantos por não entender por que eu chorava. Meu velho amigo de infância não agüentou também. Minha irmã, meu cunhado, meus outros dois filhos, todos ali no quarto de hospital, na UTI, choraram. E eu gostei do pinheiro. Mas não entendi por que o pinheiro. Fiquei curioso. Emocionado. Perguntei a minha filha.

-         Por que você me deu um pinheiro?

Todos pareciam entender porque minha filha me deu um pinheiro. E eu fiquei ainda mais curioso. Mas tudo foi revelado quando minha esposa, calmamente, foi em direção à janela do quarto e abriu a cortina. E aí eu vi. Entendi.

-         Era um Jardim lá fora.

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