sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Jardineiro

Não poderia ver o Jardineiro. Ele foi se deitar. Também não compreenderia, por mais que tentasse passar a mensagem. O estado do Visitante ainda era precário. Muita confusão em seu pensamento. Não poderia ver.
Mas me senti tocado pelo Visitante. Foi uma luta chegar até ali na porta e bater à porta. Sentia que minha mãe também pensava a mesma coisa a respeito. E quando ocorre algo semelhante, volto-me para a janela e lanço mais sementes, como conforto.
Não poderia ver.
A mesa estava posta e convenci o Visitante a sentar-se. Ainda persistia no pedido, mas eu não poderia de imediato dizer a ele que era pouco provável ver o Jardineiro. Isso dizendo parcialmente a verdade.
Não há Jardineiro.
Mas todos vêem o que querem ver. Minha mãe sabia disso. Mas eu era tocado a dizer a verdade. E aquele Visitante estava ansioso por ver o Jardineiro, este que não poderia ver e não havia mais.
O Jardineiro foi se deitar.
Quando se sentou a mesa o Visitante, minha mãe chegou próximo a ele e lhe mostrou algo. Fiquei curioso, mas não ousei perguntar, pois confiava em minha mãe. Entretanto, suspeitava do que fora e a interpelei dizendo:

-         Não faça isso, mulher.
-         Filho, será necessário.
-         Não faça.

Pouco adiantou meus pedidos para que não fizesse aquilo. Minha mãe mostrou a ele uma fotografia do Jardineiro. Uma fotografia minha observando o Jardineiro. O Visitante logo entendeu e foi em direção a janela. Nesse momento, pensei que o Visitante iria cair em razão de tanta euforia em querer ver o Jardineiro. Mas não foi isso que aconteceu.
Na janela, o Visitante não conseguiu ver o Jardim. Não havia a Graxa, a Árvore Grande, o Fruto Distante, a Flor Delicada, nem viu mesmo o Jardineiro e seu amigo, o Jardineiro de Um Pinheiro Só. Pensei que, por um momento, o Visitante ficaria frustrado. Mas não foi isso que ocorreu. Vi uma alegria em seu ser. Um alento. Talvez uma justificativa para ele mesmo de tudo o que aconteceu.
Ele viu uma criança.
Essa criança corria e corria. Brincava onde era o Jardim. Ria de qualquer coisa sem algum motivo. Ele não reconheceu o rosto da criança. Mas sentiu uma afinidade por ela.
O Visitante gostava de criança.
Em meio à brincadeira daquela criança, o Visitante viu uma mulher, que brincava e repreendia a criança ao mesmo tempo. O Visitante quando viu a mulher ficou aliviado. Parecia tê-la reconhecido. Especialmente quando outra mulher apareceu e gritou, chamando pela criança.

-         Venha, sou sua Tia.

Quando o Visitante viu a Tia uma lágrima desceu. E ele começou a entender ainda mais o que estava lá fora. Nem me perguntou algo. Sentia-se saber de tudo. Foi revelado.

-         Mas onde está o Jardineiro? – perguntou o Visitante.

Não respondi. Qualquer palavra minha faria confusão ao seu pensamento. Eu sentia que ele compreendia tudo. Minha mãe, sem falar comigo, também percebeu meu pensamento. E para que explicação? Ele via. Sentia. Compreendia. Palavras, às vezes, causa confusão.

-         Por isso a fotografia, Mãe?
-         Sim, por isso a fotografia.

E o Visitante ficou um bom tempo na Janela, vendo o Jardim que não mais existia. Estava lá a criança e duas mulheres. Não se cansou de ver. Renovou-se com isso. Deixei-o ali e fui até minha mãe. Conversei com ela a respeito e assim concordei.
O Visitante será meu hóspede por algum tempo.
Isto tudo foi de noite, mas quando o Visitante viu a criança já era alvorada. E nesse momento, não raramente, ventou em minha casa. Minha mãe também estranhou o fenômeno, mas, imediatamente, ordenou que eu voltasse a observar o Jardim. O Visitante viu uma criança e uma só das mulheres. Eu não via o Jardineiro.
Naquele dia o Jardineiro não retornou.





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