Não poderia ver o Jardineiro. Ele
foi se deitar. Também não compreenderia, por mais que tentasse passar a
mensagem. O estado do Visitante ainda era precário. Muita confusão em seu
pensamento. Não poderia ver.
Mas me senti tocado pelo
Visitante. Foi uma luta chegar até ali na porta e bater à porta. Sentia que
minha mãe também pensava a mesma coisa a respeito. E quando ocorre algo
semelhante, volto-me para a janela e lanço mais sementes, como conforto.
Não poderia ver.
A mesa estava posta e convenci o
Visitante a sentar-se. Ainda persistia no pedido, mas eu não poderia de
imediato dizer a ele que era pouco provável ver o Jardineiro. Isso dizendo
parcialmente a verdade.
Não há Jardineiro.
Mas todos vêem o que querem ver.
Minha mãe sabia disso. Mas eu era tocado a dizer a verdade. E aquele Visitante
estava ansioso por ver o Jardineiro, este que não poderia ver e não havia mais.
O Jardineiro foi se deitar.
Quando se sentou a mesa o
Visitante, minha mãe chegou próximo a ele e lhe mostrou algo. Fiquei curioso,
mas não ousei perguntar, pois confiava em minha mãe. Entretanto, suspeitava do
que fora e a interpelei dizendo:
-
Não faça isso, mulher.
-
Filho, será necessário.
-
Não faça.
Pouco adiantou meus pedidos para
que não fizesse aquilo. Minha mãe mostrou a ele uma fotografia do Jardineiro.
Uma fotografia minha observando o Jardineiro. O Visitante logo entendeu e foi
em direção a janela. Nesse momento, pensei que o Visitante iria cair em razão
de tanta euforia em querer ver o Jardineiro. Mas não foi isso que aconteceu.
Na janela, o Visitante não
conseguiu ver o Jardim. Não havia a Graxa, a Árvore Grande, o Fruto Distante, a
Flor Delicada, nem viu mesmo o Jardineiro e seu amigo, o Jardineiro de Um
Pinheiro Só. Pensei que, por um momento, o Visitante ficaria frustrado. Mas não
foi isso que ocorreu. Vi uma alegria em seu ser. Um alento. Talvez uma
justificativa para ele mesmo de tudo o que aconteceu.
Ele viu uma criança.
Essa criança corria e corria.
Brincava onde era o Jardim. Ria de qualquer coisa sem algum motivo. Ele não
reconheceu o rosto da criança. Mas sentiu uma afinidade por ela.
O Visitante gostava de criança.
Em meio à brincadeira daquela
criança, o Visitante viu uma mulher, que brincava e repreendia a criança ao
mesmo tempo. O Visitante quando viu a mulher ficou aliviado. Parecia tê-la
reconhecido. Especialmente quando outra mulher apareceu e gritou, chamando pela
criança.
-
Venha, sou sua Tia.
Quando o Visitante viu a Tia uma
lágrima desceu. E ele começou a entender ainda mais o que estava lá fora. Nem
me perguntou algo. Sentia-se saber de tudo. Foi revelado.
-
Mas onde está o Jardineiro? – perguntou o Visitante.
Não respondi. Qualquer palavra
minha faria confusão ao seu pensamento. Eu sentia que ele compreendia tudo.
Minha mãe, sem falar comigo, também percebeu meu pensamento. E para que
explicação? Ele via. Sentia. Compreendia. Palavras, às vezes, causa confusão.
-
Por isso a fotografia, Mãe?
-
Sim, por isso a fotografia.
E o Visitante ficou um bom tempo
na Janela, vendo o Jardim que não mais existia. Estava lá a criança e duas
mulheres. Não se cansou de ver. Renovou-se com isso. Deixei-o ali e fui até
minha mãe. Conversei com ela a respeito e assim concordei.
O Visitante será meu hóspede por
algum tempo.
Isto tudo foi de noite, mas quando
o Visitante viu a criança já era alvorada. E nesse momento, não raramente,
ventou em minha casa. Minha mãe também estranhou o fenômeno, mas,
imediatamente, ordenou que eu voltasse a observar o Jardim. O Visitante viu uma
criança e uma só das mulheres. Eu não via o Jardineiro.
Naquele dia o Jardineiro não
retornou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário